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Distribuição de renda

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Nesse assunto, como em muitos outros, grande parte do que foi escrito comete um erro fundamental. Procura-se saber o que é mais justo.

Como já sabia Hobbes, o justo é o que foi combinado. Não há justo ou injusto a priori, o justo é o que não viola o contrato.

Portanto, excluída a questão da justiça, o que resta a discutir? Ora, o que resta a discutir é a eficiência. Acordos podem sim ser comparados a outros não em termos de justiça, já que, sob este aspecto cada acordo é o próprio referencial de si mesmo, mas de acordo com algum parâmetro que os transcenda. Dado este critério externo, cria-se um metro com que se pode medir as leis.

De uma forma geral, qualquer um desses critérios pode ser agregado sob um nome comum, seja ele "eficiência" ou "geração de valor". Em essência, escolhe-se uma função-objetivo, e mede-se qual dos contratos possíveis maximiza essa função.

Por exemplo, pode-se definir que a função-objetivo é o número de homicídios em uma comunidade, e se comparam os conjuntos de leis na medida em que minimizem esse número. Da mesma forma, pode-se comparar as possibilidades de distribuição de renda de acordo com algum critério objetivo.

Critérios naturais para essa comparação são critérios que medem alguma forma de geração de valor. Embora possamos tentar dar mais precisão a esse conceito, em primeiro lugar basta entender que existe um consenso razoável sobre o que uma função de geração de valor que mereça este nome deve ser. Por exemplo, ninguém há de discordar que há mais geração de valor quando um piano está nas mãos de Mozart do que quando está nas mãos de alguém que não sabe dele extrair sequer o "Bife". Da mesma forma, há mais geração de valor quando um martelo está nas mãos de quem tem os pregos (e vice-versa).

Isto posto, deveria haver muito pouca discussão sobre qual é a distribuição ótima de recursos - é aquela onde os recursos estão onde eles podem gerar mais valor. Antes que esta distribuição seja chamada de desumana, repare que todos nós concordaríamos que há muito pouco uso que agregue mais valor a um recurso do que manter uma vida humana (e em um grau ligeiramente menor, mas ainda bastante alto, mantê-la com um mínimo de dignidade), portanto, sob essa distribuição, havendo recursos suficientes para manter as necessidades básicas (necessidades fisiológicas, cf. Maslow) de todos, elas são necessariamente mantidas. A partir daí, a cada um seja dado conforme sua habilidade de gerar valor.

A pergunta seguinte é sobre a dinâmica das distribuições. É óbvio que os recursos não tendem a ficar estáticos e, na verdade, tendem a gerar menos valor na medida em que assim permanecem. Então, esta distribuição ótima na verdade seria uma órbita e não um ponto. A primeira pergunta é se esta órbita é atratora e sobre quais seriam os outros atratores, e o que governa a dinâmica dessas distribuições.

Já foi provado (e.g. Mills) que distribuições equitativas são altamente instáveis. Por outro lado, existem distribuições pouco eficientes que demonstram uma alta estabilidade, principalmente quando existe uma concentração de recursos suficiente para garantir a "manutenção da ordem estabelecida" em geral pela força. Existe uma presunção dos liberais de que o mercado livre leva a distribuição naturalmente ao ótimo (ou pelo menos a um bom ótimo local). Isto parece ser válido, em prazos extremamente longos, para ecossistemas, mas não tem se mostrado totalmente realista para mercados humanos. Mercados humanos em geral possuem muita brecha para manipulação, e isto parece estar relacionado ao poder individual dos players. Em um ecossistema, existe um equilíbrio de forças natural causado pela pouca disparidade dos poderes individuais, que não existe no mercado humano (repare que, em Hobbes, existe esta presunção com relação aos sistemas humanos, mas esta premissa não é mais verdadeira nos tempos atuais, por causa do avanço tecnológico). Outro fator que complica o cenário dos mercados humanos é a comunicação de massa. Repare que este é um fator-chave para entender o conceito de degeneração do sistema político descrito por Platão n'A República, e que, justamente por entender isto, grande parte do livro é dedicado a explicar como deve ser a propaganda adequada para evitar a degeneração. As massas são manipuláveis: em termos técnicos, existem feedbacks positivos de comunicação, em que idéias injetadas de forma adequada no sistema se reforçam pelos próprios mecanismos do sistema (a "formação de opinião"), e isso leva à seqüência degenerativa da aristocracia em monarquia, desta em democracia e por fim em tirania. Em suma, os recursos de comunicação de massa e de força militar tendem a ser aglutinadores de mais recursos.

Portanto, parece claro que existem forças anti-otimizadoras nos sistemas humanos, e que é necessária uma intervenção, principalmente no sentido de limitar o poder de pólos aglutinadores de recursos (como os recursos de comunicação de massa e militar) em particular e de poder de atuação de indivíduos (ou pequenos grupos) em geral, para que a maior geração de valor se reestabeleça.

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